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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Como tudo começou...

Era uma tarde de mais um dia daqueles que o Sol nasce e morre sem dar satisfações a ninguém. Sem a claridade da estrela maior as mais distantes começaram a aparecer como vaga-lumes em um breu sem fim. O vento frio trazia um gosto de sangue dos lábios cortados pela tremedeira do bater de dentes. Tudo me lembrava o vazio. Sem rima, nexo, ou autoria se quer. Toda forma de conteúdo era apenas reverberação de pensamentos ressoando em uma caixa de sinapses aparentemente fechada para os estímulos exteriores. Ledo engano.

Vencido pela textura dos estímulos físicos, nítidos para minha percepção limitada, me vi sem importância diante da vasta imensidão que me rodeia. Decidi procurar um porque. A idéia era simples. Nunca acreditei muito nas coisas, mas a questão agora não estava apenas em acreditar ou não. Estava em entender o porque de existir.

Deve ser fácil ser gado quando já se nasce no pasto. Já nasce andando, mama, com o passar do tempo começa a mugir, se comunicar com seus semelhantes, passa a comer grama, se acostuma com os estímulos do ambiente, aprende que certos estímulos são desagradáveis, evita-os, é raptado pelo desejo ao sentir a fêmea, se excita, come mais grama, engorda, caga, peida. É incrível a semelhança com o homem, com algumas ressalvas, é claro. Mas a diferença maior é que o gado do pasto em um determinado momento será sacrificado para servir de alimento para seres que têm certa dificuldade para dar um sentido à vida. Mas eles morrem por um aparente motivo lógico.

Lei do mais forte. Cadeia alimentar? Afirmaram que o homem é um ser superior. Superioridade, nessa tão eloqüente afirmação, deve estar relacionada à condição de subjugar outros seres e/ou até mesmo os da mesma espécie.

Não sei. Depois de vislumbrar essas questões fiquei temeroso pelo que me espera. Será que devo me sentir responsável pelos feitos dos meus semelhantes no contexto geral? Continuo sem explicação para o existir. Talvez não esteja indo pelo caminho mais adequado. E se simplesmente não houver sentido para existir? Se fosse assim acho que eu não existiria. Talvez eu finja que existo e me mantenho respirando apenas para continuar tendo as sensações que aprendi a ter e de certa forma a controlar. Como elas não têm nenhuma ligação entre si eu posso...

...não têm ligação. As formigas andam em fila em direção ao seu formigueiro e recentemente descobri que isso acontece por causa de uma substância que elas deixam no caminho para que as outras possam se situar e continuar seguindo a fila. Se passarmos o dedo nesse rastro, a que vem logo depois fica perdida por um certo momento até achar de novo o caminho. Enquanto eu não sabia dessa tal substancia, aquela trilha de formigas andava em fila sem nenhuma ligação aparente.

Tem sempre um mártir nas histórias e mitos dos homens. Geralmente eles são representados como figuras muito importantes para a humanidade por trazerem em si um ideal. Algo que não é somente falado, mas é vivido por aquele que é extraordinário pelo ato de ser o que é e vive em prol de si mesmo chegando comumente a uma relação de amparo e solidariedade para com o outro. Muitas vezes trás em suas palavras algo relacionado a um caminho a seguir. Mas quem foi que passou o dedo no meu caminho? Não consigo me achar. Aliás, eu nem sei se um dia eu segui algum caminho. Eu teria meu próprio caminho ou deveria seguir o rastro do caminho dos outros? Quem sabe o meu caminho se confunda com o caminho de outros assim como as formigas, ou quem sabe o meu caminho eu tenha que trilhar sozinho, ou com um par. Com filhos?

Por que haveríamos de viver rodeados de tanta gente e ainda assim se sentir tão só? Medo de mostrar as nossas fraquezas. Há! Mas todo mundo tem fraquezas e talvez fraco mesmo seja aquele que não saiba se mostrar. Enquanto escondemos as fraquezas deixamos de mostrar nossa verdadeira força. Qualidades, dependendo do contexto são vistas como boas ou ruins. Mas no final creio que apenas sejam qualidades. Que devem ser usadas em alguns momentos e em outros nem tanto. Deveria eu continuar questionando o existir? Talvez. Mas enquanto eu não vejo nenhuma ligação entre os meus sentimentos acho que vou inventar um motivo para existir. Ele tem que fazer muito sentido, se não talvez eu possa estar menosprezando minha existência. Relacionarei minha historia de vida com minhas qualidades. Assim irei perceber com maior facilidade minhas dificuldades e também talvez perceba que tenho dons. Como usar esses dons é que vai ser a grande questão. Haveria sentido no egoísmo? Acho que sim, afinal de contas preciso sobreviver e assim pensar em mim mesmo. Só que eu não posso viver sozinho, existem outras pessoas que me acrescentam e muito, por sinal tenho prazer em servi-las. Ainda assim sou egoísta pois sirvo tendo prazer nisso.

Será que dá para amar só por amar?